domingo, 31 de agosto de 2008

Uma Breve História

Em 1805, a França, que era governada por Napoleão Bonaparte, entrou em guerra contra uma coligação formada por quatro países: Rússia, Áustria, Prússia e Inglaterra. Os três primeiros foram derrotados por Napoleão. Protegida pelo mar, a Inglaterra possuía uma Marinha de guerra poderosa. Como não podia vencê-la pelas armas, Napoleão decidiu enfraquecer o poder dos ingleses de outra maneira: em 1806, proibiu que qualquer país europeu mantivesse relações comerciais com a Inglaterra. Essa medida recebeu o nome de Bloqueio Continental. Foi nesse contexto histórico que o príncipe regente de Portugal, D. João VI, optou por manter seus tratados econômicos com os ingleses e desobedecer ao Imperador francês Napoleão Bonaparte, que no começo do séc. XIX destacou-se como o homem mais influente e poderoso do Velho Mundo.

O Bloqueio Continental deixou Portugal numa situação complicada. Por um lado possuía uma aliança que já durava mais de 600 anos, e sua economia era fortemente dependente de economia inglesa; por outro, se não obedecesse às ordens de Napoleão, o país corria o risco de ser invadido - possibilidade desastrosa para um país enfraquecido e decadente, com um governo quase sem autoridade: a rainha, dona Maria I, a Louca, havia sido afastada do trono em 1792; e seu filho, o príncipe dom João, governava como regente. Em 1807, a Espanha permitiu Napoleão atravessar suas terras, no mesmo ano, os exércitos franceses, comandados pelo general Junot, invadiram Portugal.

A solução encontrada foi única em toda a história da realeza européia: a família real portuguesa e toda a Corte fugiram para a colônia na América. Em novembro de 1807, deixaram Portugal cerca de 15 mil pessoas, entre nobres, funcionários criados , agregados, militares e clérigos. A atitude de D. João de se mandar para o Brasil foi, na época, muito criticada, porque o comentário era de que o príncipe abandonava o país aos inimigos para salvar a própria pele. Após dois meses de viagem (em condições não muito boas), o primeiro navio da frota portuguesa atracou na costa brasileira, mais precisamente na Bahia, no dia 3 de janeiro. O príncipe regente, Dom João, após por ter desembarcado na Bahia e por lá ter permanecido por 1 mês, viajou para o Rio de Janeiro, aonde chegou no dia 17 de fevereiro, sendo recepcionado e aclamado pelo povo de maneira eufórica.

Na bagagem havia arquivos, livros, máquinas, jóias, quadros e o tesouro português. Navios ingleses protegeram os navios portugueses. Por ser a família real, foram arrumados diversos preparativos para a chegada da corte no Rio de Janeiro. Ao chegar à cidade, Dom João ordenou que as melhores residências fossem dadas às famílias da corte e, além disso, ordenou que fossem construídas novas casas. As casas seriam marcadas com a sigla PR (Príncipe Regente) que o povo logo tratou de satirizar com outra explicação: ponha-se na rua.

Mudanças de cunho político-econômicas foram tomadas a fim de que a Corte e a Coroa pudessem se adaptar a nova vida, favorecendo ao desenvolvimento da colônia. O Brasil passou a condição de Reino Unido a Portugal e melhorias nas relações com outros países favoreceram o desenvolvimento de manufaturas e da economia interna brasileira. O dinheiro que era taxado em impostos ficava aqui e acabava gerando novos empregos e sendo investido – mesmo que visando o bem dos portugueses – em instituições e obras no Brasil. Assim, o desenvolvimento das artes, das ciências, da política e até mesmo da economia, passou a despertar no povo brasileiro um sentimento patriótico e libertário.

A viagem foi longa e difícil. Nos navios superlotados, a água e a comida eram racionadas. Homens e mulheres tiveram, de raspar os cabelos por causa de uma epidemia de piolhos. Em janeiro de 1808, a frota portuguesa chegou à Bahia, e logo depois seguiu viagem para o sudeste. No dia 28 do mesmo mês, D. João assinou a Abertura dos Portos às Nações Amigas. Isso significou que o Brasil podia comercializar com todos os países do mundo que não estivesse em guerra com Portugal. Era o fim do monopólio português sobre a colônia. Por fim, em março, dom João e sua corte desembarcaram no Rio de Janeiro, dando início a uma nova e decisiva etapa nas relações entre Portugal e sua colônia na América.

D. João foi coroado como rei de Brasil e Portugal com o título de D. João VI em 1816, após a morte de sua mãe D. Maria I. Ele permaneceu no país até 1821, quando voltou para Portugal para tentar solucionar a Rebelião do Porto, de caráter liberal. A partir daí, o governo do Brasil ficou sob o comando de seu filho, o Príncipe Regente D. Pedro.

A Proclamação da Independência

Em conseqüência da Rebelião do Porto, D. João VI perdera muitos poderes porque, a partir daquele movimento liberal, o país passou a ser governado pelas Cortes de Lisboa, principais representantes da burguesia portuguesa.

Na tentativa de recuperar os gastos feitos durante as guerras napoleônicas e também a perda sobre o monopólio do comercio brasileiro, as Cortes queriam recolonizar o Brasil e passaram a exigir a volta de D. Pedro a Portugal.

Aqui no Brasil, o Príncipe Regente D. Pedro contava com o apoio dos grandes proprietários de terra para desobedecer às ordens lusitanas. Essa elite rural brasileira não queria perder os privilégios econômicos adquiridos com a abertura dos portos em 1808, e muito menos as liberdades administrativas conseguidas desde 1815 com a elevação do Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves. E foi com o apoio dessa elite rural que D. Pedro recebeu um documento com mais ou menos 8 mil assinaturas, pedindo-lhe que permanecesse no Brasil. Esse pedido foi aceito pelo Príncipe Regente em 9 de janeiro de 1822, o dia do “Fico”. Alguns meses depois, D. Pedro aconselhado por José Bonifácio de Andrada e Silva, resolveu que nenhuma ordem de Portugal seria obedecida sem a sua autorização. Diante da postura firme de D. Pedro em desobedecer a Portugal e tomar decisões próprias, foi-lhe dado o título de “Defensor Perpétuo do Brasil” pela classe dos proprietários de terra, identificados com as propostas do Príncipe Regente.

Finalmente, em 7 de setembro de 1822 foi proclamada a Independência do Brasil. Isso significa apenas uma ruptura com o sistema colonial, pois atingia apenas a liberdade comercial e administrativa. A nação brasileira continuava dependente não mais de Portugal, mas assim da Inglaterra, que, desde a abertura dos portos, passara a ditar as regras do jogo econômico no País. E as injustiças sociais continuaram uma vez que a escravidão se manteve como regime de trabalho.


Cultura e Ciência

Com a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil, diversas mudanças de cunho cultural e tecnológico foram incentivadas. A ciência e as artes até então pouco exploradas passaram a ter espaço, e recursos foram investidos de forma que até grandes nomes da cultura européia da época foram trazidos para o Brasil. De fato, com D. João VI no Brasil a paisagem e a atmosfera política e cultural haviam se alterado muito. Para começar, foi necessário dar ares mais variados à antiga capital brasileira com novas instituições que pudessem auxiliar na criação de um centro metropolitano.

Dom João contribuiu com a disseminação do conhecimento e da informação no momento em que autorizou a circulação de jornais e revistas no país, que até então eram proibidos. Com esses novos meios de divulgação da informação, as novas idéias científicas e também literárias puderam ser difundidas entre os vários grupos que começavam a se formar na sociedade, que não mais se mostrava estamental, mas sim com classes passivas de mudanças – exceto para os negros, é claro. A criação do jornal “O Patriota” pode exemplificar esse fato, uma vez que nele, entre os anos de 1813 e 1814, foram publicados, pela primeira vez, artigos científicos. Culturalmente, o desenvolvimento no período foi enorme: abriram-se teatros, bibliotecas, academias literárias e científicas, para atender não só à própria Corte, mas a uma população urbana em rápida expansão. Durante a estada de D. João, a população da capital dobrou: de 50 mil para 100 mil habitantes.


Como a Coroa não veio sozinha, trazendo consigo a nobreza e parte da burguesia, a educação e cultura também necessitaram de reformas. Para tanto, Dom João incentivou a produção local de conhecimento com a criação de Universidades que eram dotadas de cursos como a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro; criou o Museu Real (que se tornaria, futuramente, o Museu Nacional) e o Jardim de Aclimação (futuro Jardim Botânico); A Escola de Belas Artes, atualmente integrada à UFRJ; a Academia Naval e a Faculdade de Medicina da Bahia, agora da UFBA, as três últimas feitas entre 1810 e 1816. A importação da Biblioteca Real, atual Biblioteca Nacional da Avenida Rio Branco também está neste âmbito. Chegaram ao Brasil cientistas e viajantes estrangeiros principalmente nas missões artísticas que tinham o objetivo de explorar esta terra tão vasta e rica.

Existem várias causas e motivos que explicam essa carência no campo de pesquisa. Os portugueses após ter descoberto as terras americanas (Brasil), não fizeram muitas pesquisas no campo científico, e as poucas expedições e pesquisas que ocorreram não foram publicadas em Portugal e, portanto não eram muito estudadas. Os lusos tomaram essa atitude com medo de uma possível concorrência de outras potências.

Além dos portugueses não ficarem sabendo de nada sobre a ciência daqui, não havia um meio de comunicação que informasse aos próprios brasileiros os artigos científicos que eram produzidos. Não havia na época um periódico que divulgasse assuntos científicos e, portanto a divulgação era feita manual ou oralmente. Não obstante, a infra-estrutura, aqui presente, era muito inadequada e as instituições de pesquisa ou armazenamento de dados eram muito pequenas e precárias. Os cientistas, portanto, coletavam dados e não tinham onde pô-los para estudá-los em um momento posterior. Uma das poucas instituições existentes era a Casa dos Pássaros que era destinada ao trato e depósito de animais para estudo.

Quando a corte portuguesa chega ao Brasil, o príncipe regente D.João trata de cuidar de diversos problemas inclusive o da divulgação de informações. Uma de suas medidas é a criação da imprensa, criada primeiramente para divulgar decretos reais. Além da criação da imprensa, D.João toma a iniciativa de centralizar as informações e pesquisas no RJ para que esses estudos pudessem ser acessados com certa facilidade por cientistas e estudiosos. Previamente houve uma tentativa mal-sucedida de tentar centralizar as informações em Lisboa (logo a metrópole não centralizava somente as riquezas).

Contribuições de Expedições

Missão Artística Francesa

A queda de Napoleão vai propiciar a retomada dos laços culturais entre a França e Portugal. A convite da Corte portuguesa, veio ao Rio a Missão Artística Francesa, chefiada por Joaquim Lebreton e composta por um grupo de artistas plásticos. Dela faziam parte os pintores Jean-Baptiste Debret e Nicolas Antoine Taunay, os escultores Auguste Marie Taunay, Marc e Zéphirin Ferrez e o arquiteto Grandjean de Montigny. Esse grupo organizou, a partir de agosto de 1816, a Escola Real das Ciências, Artes e Ofícios, transformada, em 1826, na Imperial Academia e Escola de Belas-Artes.

Durante os cinco anos em que aqui permaneceu Taunay, o pintor, reproduziu cerca de trinta paisagens do Rio de Janeiro e regiões próximas. Entre elas está "Morro de Santo Antônio em 1816", que compõe o acervo do Museu Nacional de Belas-Artes do Rio de Janeiro.

Debret, por sua vez, realizou no Brasil uma imensa obra. Fez vários retratos da família real, aquarelas e desenhos sobre o cotidiano da cidade, retratando as atividades dos escravos, dos grupos indígenas e, também, sobre os fatos da vida da Corte. Pintou cenários para o Teatro São João (atual João Caetano) e realizou trabalhos de ornamentação da cidade do Rio de Janeiro, para festas públicas e oficiais, como a aclamação do rei D. João VI. Além disso, foi professor de pintura histórica na Academia de Belas-Artes criada por D. João, tendo permanecido no Brasil durante quinze anos. Um de seus trabalhos mais conhecidos é o livro " Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil," publicado em três volumes.

No campo da arquitetura, a Missão Francesa desenvolveu aqui o estilo neoclássico, abandonando os princípios barrocos. O principal responsável por essa mudança foi o arquiteto Grandjean de Montigny, autor do projeto do prédio da Academia de Belas-Artes, construído em 1826, da Casa da Moeda (atual Casa França - Brasil) e do Solar da Baronesa, situado onde é hoje o campus da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, entre outros.

Outras expedições

Novos grupos de estudiosos e cientistas europeus continuavam chegando ao Brasil. Entre 1816 e 1822 o professor francês de botânica Saint-Hilaire percorreu as atuais regiões sudeste e sul, demonstrando, em suas anotações, seu deslumbramento com os recursos naturais aqui encontrados. Mas, se a beleza da natureza brasileira o encantava, não deixava de perceber e criticar os privilégios concedidos à nobreza e aos portugueses, de maneira geral, bem como as injustiças cometidas contra a população mais pobre. Em seu livro " Segunda viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo" comentava:

" (...) Era preciso que se distribuísse, gratuitamente, e por pequenos lotes, esta imensa extensão de terras vizinhas à capital e que ainda estava por se conceder quando chegou o rei. Que se fez, pelo contrário? Retalhou-se o solo pelo sistema das sesmarias, concessão que só podiam obter depois de muitas formalidades e a propósito das quais era necessário pagar o título expedido."

Em relação às heranças arquitetônicas e modernização urbana (que não deixam de ser uma forte influência cultural lusitana):

De acordo com os historiadores, a elite fluminense financiou a maior parte das obras que simbolizam o período em que a família real esteve no Brasil. Assim, a família real portuguesa bancou pequenas obras na nova corte, como a construção de três chafarizes, o prédio da Academia de Belas Artes, que hoje se transformou em um estacionamento, e o primeiro prédio do quartel, atual Palácio Duque de Caxias.

Ficou para a elite fluminense a tarefa de transformar o Rio de Janeiro em um lugar digno de capital do reino. Antes, os ricos da cidade não podiam ostentar riqueza. Por isso, as casas eram grandes, mas não tinham luxo. Com a chegada da família real, as regras foram alteradas. Empolgadas com a chegada de D. João, essas pessoas investiram na reforma de praças e até na pavimentação de ruas. Mas a motivação principal foi a possibilidade de morarem ao lado do príncipe regente. Os ricos se mudavam para lá e construíam ou reformavam seus palacetes especialmente em estilo neoclássico. D. João também permitiu a abertura de novos loteamentos, o que aumentou o perímetro urbano. O Palácio da Quinta da Boa Vista e a fazenda de Santa Cruz, outras residências imperiais, passaram por reformas. Mesmo assim não chegavam perto do luzo das edificações portuguesas.

Destino dos Palácios: Hoje, a Quinta da Boa Vista abriga o Zoológico do Rio e o Museu Nacional da Quinta da Boa Vista, administrado pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Já no Paço Imperial, tombado pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), funciona um centro cultural com exposições, biblioteca e lojas. A fazenda São Cristóvão teve um destino triste. No terreno doado para o Exército, sobrou apenas a fachada da igreja que existia nos tempos de D. João.

Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro

A nomeação do cirurgião Joaquim da Rocha Mazarém para a cadeira de anatomia, em 02 de abril de 1808, é considerada por Lycurgo de Castro Santos Filho (1991, p.45) como o marco da criação da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro, que funcionou inicialmente nas dependências do Hospital Real Militar e Ultramar. Além de lecionar anatomia, Mazarém deveria ministrar um curso de ligaduras, partos e operações de cirurgia. E foi a partir dessa iniciativa que se instituiu o curso de cirurgia no Rio de Janeiro. A proposta curricular, que inicialmente compreendia somente os conhecimentos de cirurgia e de anatomia, ampliou-se abarcando as disciplinas de anatomia e fisiologia, terapêutica cirúrgica e particular, medicina cirúrgica e obstétrica, medicina, química e elementos de matéria médica e de farmácia.

Até essa época o exercício da medicina era facultado somente a físicos e cirurgiões portadores de um atestado de habilitação, e licenciados pelo cirurgião-mor do Reino, conforme preconizava o regulamento de 23 de maio de 1800. Sua atuação estava restrita à realização de sangrias, à aplicação de ventosas, à cura de feridas e de fraturas, sendo-lhes vetada a administração de remédios internos, que era privilégio dos médicos formados em Coimbra. A criação das escolas de medicina representava o fim de muitas das restrições impostas pela metrópole, possibilitando a formação de médicos no país e transferindo para as mãos destes o exercício da medicina.

Norteava à criação dos primeiros estabelecimentos de ensino superior a necessidade da formação de quadros profissionais para os serviços públicos imperativos naquele momento. Nesta perspectiva foram criados os primeiros estabelecimentos de ensino médico-cirúrgico nas cidades de Salvador e do Rio de Janeiro, "em benefício da conservação e saúde dos povos, a fim de que houvesse hábeis e peritos professores, que unindo a ciência médica aos conhecimentos práticos de cirurgia pudessem ser úteis aos moradores do Brasil”.

Na tentativa de incentivar e qualificar a formação médica no Rio de Janeiro, várias iniciativas foram realizadas. Novas cadeiras foram sendo criadas, na Escola na Corte, por meio de decretos do Príncipe-Regente D.João, como a cadeira de terapêutica cirúrgica e particular, criada em 20 de setembro de 1808, e a de medicina operatória e arte obstétrica em 25 de janeiro do ano seguinte. Ainda nesta perspectiva de qualificação a Ordem Régia de 05 de dezembro de 1810 dispôs que três alunos da Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro fossem enviados a Edimburgo (Escócia) para receberem ensinamentos cirúrgicos, e de lá deveriam se dirigir a Londres para aperfeiçoamento com cirurgiões londrinos. O alvará de 02 de março de 1812 criou a Junta de Direção Médico-Cirúrgica e Administrativa do Hospital Real Militar e Ultramar do Rio de Janeiro, à qual caberia a inspeção das aulas ministradas no Hospital.

Desde 1808 a Escola Anatômica, Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro não concentrou suas atividades em um local específico e próprio, ocupando diferentes espaços na cidade do Rio de Janeiro. Inicialmente, ficou sediada no antigo Colégio dos Jesuítas, sede do Hospital Real Militar e Ultramar, no morro do Castelo. Entre 1813 e 1832 seus cursos foram transferidos para acomodações do Hospital da Santa Casa da Misericórida, na praia de Santa Luzia. Posteriormente, em 1836, a Faculdade transferiu-se para o extinto Hospital Militar do Rio de Janeiro, permancendo o ensino das cadeiras de clínica médica e cirúrgica nas enfermarias da Santa Casa da Misericórdia. Em 1844, tendo em vista a reorganização do Hospital Militar, a Faculdade foi alojada em três locais diferentes: no Hospital Militar, no sobrado da praia de Santa Luzia e na Santa Casa. No ano de 1850, a administração e algumas cadeiras, passaram a funcionar num prédio situado na Rua dos Barbonos (atual Rua Evaristo da Veiga). No casarão do antigo Recolhimento de Órfãs da Irmandade da Misericórdia (Rua de Santa Luzia) foram instalados, em 1856, os serviços administrativos, a biblioteca e as cadeiras de laboratório, conservando as clínicas na Santa Casa.

Academia Imperial de Belas Artes – AIBA

A criação da Academia Imperial de Belas Artes - Aiba, no Rio de Janeiro, 1826, inaugura o ensino artístico no Brasil em moldes semelhantes aos das academias de arte européias. As academias procuram garantir aos artistas formação científica e humanística, além de treinamento no ofício com aulas de desenho de observação e cópia de moldes. São responsáveis, ainda, pela organização de exposições, concursos e prêmios, conservação do patrimônio, criação de pinacotecas e coleções, o que significa o controle da atividade artística e a fixação rígida de padrões de gosto. No Brasil, a arte realizada na Academia corresponde, em linhas gerais, a modelos neoclássicos e românticos aclimatados, que têm que enfrentar as condições da natureza e da sociedade locais. Entre as várias alterações no modelo encontra-se o predomínio das paisagens entre os pintores acadêmicos no Brasil, a despeito da hierarquia de gêneros que considerava a paisagem secundária. No que diz respeito à pintura histórica, vale destacar o papel da "arte acadêmica nacional" na construção de uma iconografia do Império, sobretudo no período de dom Pedro II (1825 - 1891), entre 1841 e 1889. Ao lado da profusão de retratos do imperador e do registro de comemorações oficiais, parte dos artistas acadêmicos envolve-se na construção de uma memória da nação, de timbre romântico, com a eleição de alguns emblemas: o índio é um dos mais importantes - por exemplo, Moema, 1866, de Victor Meirelles (1832 - 1903), Iracema, 1881, de José Maria de Medeiros (1849 - 1925) e O Último Tamoio, 1883, de Rodolfo Amoedo (1857 - 1941).

A história da Aiba acompanha os esforços de dom João VI (1767 - 1826) no sentido de aparelhamento do Estado na colônia ultramarina, elevada à categoria de Reino Unido de Portugal e Algarves, em 1815. O decreto de doze de agosto de 1816 cria a Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios para a qual é contratada uma Missão Artística Francesa que chega ao país no mesmo ano para inaugurar as atividades da instituição. A Escola, o próprio nome indica, possui dupla face: formar o artista para o exercício das belas-artes e também o artífice para as atividades industriais. A Missão tem origem no esforço de Joachim Lebreton (1760 - 1819), secretário perpétuo do Institut de France que, com o apoio de dom João e do conde da Barca, traz ao país um grupo de artistas e técnicos. Dentre estes estavam os pintores Nicolas Taunay e Debret, o escultor Auguste Marie Taunay e o arquiteto Grandjean de Montigny (1776 - 1850), autor do projeto da sede da Aiba e principal responsável pelo ensino da arquitetura na academia.

Enquanto durou, de 1826 até 1889, a Aiba teve sete diretores e passou por duas grandes reformas (1831 e 1855), mas são as gestões do pintor Félix Taunay - de 1834 a 1851 - e a do pintor e crítico de arte Porto Alegre (1806 - 1879) - de 1854 a 1857 -, que consolidam a academia. A fase de Taunay marca a estruturação dos cursos, a criação das Exposições Gerais de Belas Artes em 1840 e a concessão de prêmios de viagem ao exterior, a partir de 1845. A era Porto Alegre, primeiro brasileiro a dirigir a instituição, coincide com a tentativa de modernização da academia pela ênfase no estabelecimento de bases teóricas para o ensino, na idéia de nacionalização da biblioteca (transformando-a na memória pictórica brasileira) e na criação de coleções de arte brasileiras. Porto Alegre confere importância destacada à pintura de paisagens que deveria, segundo ele, sair da cópia de estampas e dos quadros da pinacoteca e voltar-se para o registro da natureza nacional.

A pintura histórica encontra nas obras de Victor Meirelles e Pedro Américo seus maiores exemplos. Aluno da Aiba, onde ingressa em 1847, Meirelles recebe o prêmio de viagem ao exterior e segue para Roma em 1853. Entre as suas obras mais importantes encontra-se Primeira Missa no Brasil, reveladora dos traços característicos do pintor: a riqueza de detalhes e o predomínio do desenho sobre a cor na composição. A Batalha dos Guararapes é outra tela significativa do pintor, que contribui para fazer do episódio um dos marcos da nacionalidade.

Academia foi responsável pela primeira exposição de Artes realizada no país, a Exposição da Classe de Pintura Histórica, instalada em 1829. Desse modo, no ano seguinte, Debret e Grandjean de Montigny, com obras próprias e de seus discípulos, apresentaram quarenta e sete trabalhos de pintura histórica, cento e seis estudos de arquitetura, quatro trabalhos do professor de paisagem e quatro bustos de gesso de Marc Ferrez. A exposição foi um sucesso, visitada por mais de duas mil pessoas, e dela se ocuparam os jornais, tendo sido organizado e distribuído um catálogo.

Entre as obras destacavam-se, na seção de pintura, De Bret, com dez quadros, entre os quais A Sagração de D. Pedro I, O Desembarque da Imperatriz Leopoldina e Retrato de D. João VI; Félix Taunay, com quatro paisagens do Rio de Janeiro; Simplício de Sá, com alguns retratos; Cristo Moreira, com figuras históricas, marinhas e paisagens; Francisco de Sousa Lobo, com retratos e figuras históricas; Reis Carvalho, com marinhas, quadros de flores e frutas; Silva Arruda, com estudos; Afonso Falcoz, com estudos de cabeça, retratos, esboços e desenhos; João Clímaco, com estudos de desenho; e Augusto Goulart, com desenhos e estudos anatômicos.

Graças, ainda, aos esforços de Debret e Araújo Porto-Alegre, realizou-se uma segunda exposição, em 1830, ainda mais importante. Durante os oito dias que permaneceu aberta ao público, teve grande afluência de visitantes. Na Seção de Pintura figuraram sessenta e quatro trabalhos, cujos autores foram os mesmos da exposição anterior, e mais - Henrique José da Silva, diretor, Domingos José Gonçalves Magalhães, amador, com desenhos, pinturas, alegorias e cópias de Porto-Alegre; Antônio Pinheiro de Aguiar, com cópias; Marcos José Pereira, com cópias e desenhos; Correia de Lima, com estudos de figuras antigas e composições; Frederico Guilherme Briggs, Jó Justino de Alcântara e Joaquim Lopes de Barros Cabral, com estudos de paisagem, segundo os quadros do mestre Félix Taunay.

Faculdade de Medicina da Bahia

A transferência do trono português para o Brasil, em 1808, foi um dos acontecimentos mais destacados da história colonial brasileira. O pouco tempo que D. João VI e a família real permaneceram na Bahia, um mês e dois dias, foi o suficiente para que se registrassem alguns fatos de relevância nacional.

Após abrir os portos do Brasil às nações amigas de Portugal, D. João VI assinou, em 18 de fevereiro de 1808, o documento que mandou criar a Escola de Cirurgia da Bahia, no antigo Hospital Real Militar da Cidade do Salvador, que ocupava o prédio do Colégio dos Jesuítas, construído em 1553, no Terreiro de Jesus.

Em 1º de abril de 1813 a Escola se transformou em Academia Médico-Cirúgica. Em 03 de outubro de 1832 ganhou o nome de Faculdade de Medicina, que guarda até hoje.

Situada entre igrejas, conventos e casarões coloniais, o Brasil viu nascer sua ciência médica, conheceu grandes nomes - professores, cientistas e alunos - e concentrou uma grande parte de seu interesse na atuação profissional, social e política dos doutores da Faculdade.

Muitas, entre milhares de testes e estudos realizados, deram início às pesquisas tropicalistas, médico-legais, psiquiátricas e antropológicas, determinando a expansão da cultura médica nacional e procedimentos avançados no tratamento de doenças típicas do país.

Vultos como Manuel Vitorino, Afrânio Peixoto, Nina Rodrigues, Oscar Freire, Alfredo Brito, Juliano Moreira, Martagão Gesteira, Prado Valadares, Pirajá da Silva e Gonçalo Muniz, projetaram nacional e internacionalmente Faculdade pelas suas atuações de ensino e pesquisa. Também, tendo estado a Bahia, sempre em destaque na política nacional, não poderia deixar a liderança, justificada pela profunda formação humanística dos mestres e sua influência na comunidade.Assim, os salões da faculdade serviram de palco para acirradas discussões, agitados debates e até mesmo lutas armadas, que marcaram decisivamente os rumos tomados pelo contexto social e político nacional - como na Guerra do Paraguai, na Guerra de Canudos e na Segunda Guerra Mundial.

Todo o precioso acervo histórico da Faculdade, de sua fundação até os dias de hoje, foi recolhido e catalogado pela Universidade Federal da Bahia para compor o extraordinário acervo do Memorial da Medicina da Faculdade de Medicina da Bahia, organizado no Reitorado Macedo Costa.

Em dois séculos de uma história gloriosa, a Famed sofreu grandes abalos, como os dois incêndios que comprometeram seriamente sua estrutura. Após o último deles, no começo do século XX, foi totalmente restaurada. Mas foi a Reforma Universitária, que se deu no ano de 1968, que interrompeu a trajetória da Faculdade na bela edificação do Terreiro de Jesus.

Jardim Botânico

Aclimatar as especiarias vindas das Índias Orientais: foi com este objetivo que, em 13 de junho de 1808, foi criado o Jardim de Aclimação por D. João, Príncipe Regente na época, e mais tarde D. João VI.

Com a ameaça da invasão das tropas de Napoleão Bonaparte em Portugal, a nobreza portuguesa mudou-se para o Brasil e instalou a sede do governo no Rio de Janeiro. Entre outros benefícios, a cidade ganhou uma Fábrica de Pólvora, construída no antigo Engenho de Cana de Açúcar de Rodrigo de Freitas.

Encantado com a exuberância da natureza do lugar, aí D. João instalou o Jardim, que em 11 de outubro do mesmo ano, passou a Real Horto. Por um erro histórico acreditava-se que as primeiras plantas tinham sido trazidas do Jardim Gabrielle, de onde vieram muitas plantas, principalmente durante as guerras napoleônicas. Porém o Jardim Gabrielle era nas Guianas e as primeiras plantas que chegaram aqui vieram, na verdade, das ilhas Maurício, do Jardim La Pamplemousse, por Luiz de Abreu Vieira e Silva, que as ofereceu a D. João1. Entre elas, estava a Palma Mater.

Aberto à visitação pública após 1822, o Jardim teve muitos visitantes ilustres: Einstein, a Rainha Elisabeth II do Reino Unido e muitos outros.

Vários naturalistas e administradores contribuíram para a trajetória do Jardim Botânico, como: Frei Leandro, Serpa Brandão, Cândido Baptista de Oliveira, Custódio Serrão, Karl Glasl, João Barbosa Rodrigues, Pacheco Leão, Campos Porto, João Geraldo Kuhlmann e o atual presidente Liszt Vieira.

sábado, 30 de agosto de 2008

Museu Real

Museu Real

Os antecedentes do Museu Real remetem à antiga Casa de História Natural, popularmente conhecida como Casa dos Pássaros, devido à grande quantidade de aves empalhadas. Criada em 1784 pelo Vice-Rei D. Luiz de Vasconcellos e Sousa, a Casa de História Natural colecionou, armazenou e preparou, por mais de vinte anos, produtos naturais e adornos indígenas para enviar a Lisboa.

Logo após a vinda de Príncipe-Regente D. João, o edifício da Casa dos Pássaros, localizado na antiga Rua do Sacramento, atual Avenida Passos, ainda existia, tendo abrigado por volta de 1811 os encarregados dos serviços de lapidação de diamantes com suas famílias. Posteriormente, dera lugar ao prédio do Erário Público, depois Tesouro Nacional. Em 22 de junho de 1813, o Príncipe-Regente D. João mandou extinguir todos os cargos daquela instituição, e seus móveis e produtos de mineralogia e de história natural foram para a Academia Real Militar, no Largo de São Francisco de Paula. Somente cinco anos mais tarde o Príncipe-Regente criaria o Museu Real do Rio de Janeiro, que incorporou aquele acervo da Casa dos Pássaros. O Museu Real foi fundado pelo decreto de 06/06/1818, com a função de "propagar os conhecimentos e estudos das ciências naturais no Reino do Brasil, que encerra em si milhares de objetos dignos de observação e exame e que podem ser empregados em benefício do comércio, da indústria e das artes".

Em 1820, D.João VI instituiu uma pensão ao naturalista alemão Frederic Sellow para a realização de viagens e explorações filosóficas por diversas partes do Brasil, com a obrigação de repartir com o Museu as coleções feitas no desempenho desses encargos. Através do decreto de 26/02/1821, o Museu ficou subordinado ao Inspetor Geral de Estabelecimentos Literários e Científicos do Reino, conseguindo sua autonomia somente em 1823.

A ampliação das coleções nacionais de história natural foi ocorrendo aos poucos, através de doações. Dentre elas, há registros das doações, em 1823, feitas por Antônio Luis Patrício da Silva Manso, cirurgião-mor e inspetor do Hospital Militar da Província de Mato Grosso, de cerca de 270 espécies de plantas em 2.300 exemplares aproximadamente. A partir da Independência do Brasil do Reino de Portugal, a denominação do Museu mudou para Museu Imperial e Nacional, aparecendo já com essa designação no texto do decreto de 19/11/1824, expressando o papel atribuído à instituição naquela época, ou seja, o de contribuir para a construção da nação brasileira.

A partir de 26 de janeiro de 1828, Frei Custódio Alves Serrão assumiu a direção do Museu Imperial e Nacional, em substituição a João da Silveira Caldeira que passara a ocupar o cargo de provedor da Casa da Moeda. Na gestão de Custódio Alves Serrão o italiano Francisco Ricardo Zani foi encarregado de uma exploração no vale do Amazonas, tendo como auxiliar nos trabalhos de zoologia Estanislau Joaquim dos Santos Barreto, da qual resultaram produtos zoológicos para o Museu.

Em 30 de abril de 1838 foi organizado e entregue ao Ministro do Império Francisco de Paula de Almeida e Albuquerque, o primeiro inventário do Museu, informando sobre o seu acervo: 4.964 produtos zoológicos, 1600 botânicos, 4516 mineralógicos (sem incluir 117 diamantes e as amostras de formação aurífera do Brasil), 1105 moedas e medalhas, 62 quadros, 30 modelos de máquinas industriais, 5181 instrumentos de física e química e cerca de 500 peças de arqueologia e etnografia.

Em 1847 foi nomeado Frederico Leopoldo Cezar Burlamaque, lente de mineralogia e geologia da Escola Militar, para substituir Custódio Alves Serrão na direção da instituição. O prédio do Museu foi ampliado em 1856, e, em 1858, novas alas passaram a ser franqueadas ao público, o qual passou a conhecer uma nova coleção, a de animais marinhos, constituída por cerca de 2000 peças, doada por João de Deus de Mattos.

Em 1856 teve início as conferências públicas sobre zoologia, antropologia, botânica e física, todas realizadas por técnicos das diversas seções do Museu. Naquele mesmo ano, por proposta do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em sessão de 30 de maio, o governo aprovou a viagem de uma comissão de naturalistas e de engenheiros para a exploração científica das províncias do norte e nordeste do país. A Comissão Científica de Exploração, conhecida como "Comissão das Borboletas", foi concretizada pela Lei de Orçamento e Despesas para os anos de 1857 e 1858, e organizou-se por seções: Botânica (Francisco Freire Allemão de Cysneiros), Geológica e Mineralógica (Guilherme Schüch de Capanema), Zoológica (Manoel Ferreira Lagos), Astronômica e Geográfica (Giacomo Raja Gabaglia), Etnográfica e Narrativa da Viagem (Antônio Gonçalves Dias).

Com a República, o Museu passou a se chamar Museu Nacional, sendo transferido pelo decreto nº 377-A, de 05/05/1890, para o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Em 1892, conforme o decreto nº 1.160 de 2 de dezembro, passou a ocupar a sua atual sede na Quinta da Boa Vista, tornando-se na mesma época órgão do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, criado em 1891 como resultado da junção de três ministérios - da Justiça, do Interior e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos. Lamentavelmente, várias coleções foram perdidas no transporte da antiga para a nova sede.

Abertura dos Portos

O Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas foi uma Carta Régia, promulgada pelo Príncipe Regente Dom João de Portugal no dia 28 de Janeiro de 1808. A promulgação ocorreu em Salvador, na Capitania da Baía de Todos os Santos, no contexto da Guerra Peninsular. Foi a primeira Carta Régia promulgada pelo Príncipe Regente no Brasil, o que se deu apenas quatro dias após sua chegada, com a Família Real, em 24 de Janeiro de 1808.

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Por esse documento era autorizada a abertura dos portos do Brasil ao comércio com as nações amigas de Portugal. Os beneficiados de imediato por essa medida foram os comerciantes dos Estados Unidos mas, com a assinatura dos Tratados de 1810, os interesses ingleses acabaram sendo os mais favorecidos. Esta foi a primeira experiência liberal do mundo após a Revolução Industrial.

Além disso, a carta marcou o fim do Pacto Colonial, o qual, na prática, obrigava a que todos os produtos das colônias passassem antes pelas alfândegas em Portugal, ou seja, os demais países não podiam vender produtos para o Brasil, nem importar matérias-primas diretamente das colônias alheias, sendo forçados a fazer negócios com as respectivas metrópoles.

Moda e Sociedade

A Moda da Época

Quando a família real portuguesa chegou à Bahia, as mulheres da corte causaram o maior frisson: as roupas e os acessórios dela eram novidade para as brasileiras. A primeira moda fez logo a cabeça das mulheres: Carlota Joaquina desembarcou no Brasil de turbante. Era para esconder o cabelo cortado por causa da infestação de piolhos no navio, mas o motivo não importava; a idéia era copiar sem demora o estilo da nobreza e aproveitar os novos tecidos importados.

O Brasil era dominado por uma lei que proibia os ornamentos, os excessos e os tecidos muito caros. A tendência do verão de 1808 era a Moda Império, de origem francesa. Em museus de Paris e Lisboa encontramos vestidos de cores claras, com decotes quadrados ou em forma de coração. O corte logo abaixo do busto, e a saia com um leve franzido; a saia enorme, que precisava até de uma armação de madeira, estava ultrapassada.

A moda seguia os novos ventos da política: para os homens, estavam em alta as roupas com inspiração militar. Napoleão Bonaparte foi buscar idéias de governo na antiga Grécia, e assim as estátuas que surgiam em escavações arqueológicas eram modelo de elegância.

A mulher ficou livre do espartilho e passou a usar sapatilhas. A bolsa, que antes era escondida num buraco da saia rodada, cresceu e apareceu. A Moda Império não dispensava o luxo, principalmente nas cerimônias que reuniam as damas da corte, como batizados e casamentos. Nestas ocasiões, os vestidos usados tinham caudas bordadas com fios de metais preciosos, fios de seda e detalhes em renda.

Quando Napoleão perdeu a guerra, voltaram as saias exageradas na Europa. Mas a Moda Império, com tecidos leves, manteve sua majestade aqui no Brasil. “A Moda Império é uma moda sem armadilha: ela alonga o corpo, deixa a mulher mais confortável e faz com que ela tenha certa postura”.

As pinturas de retratos, os desenhos e as gravuras, revelam o gosto refinado da moda na época, as mulheres nobres sempre aparecem retratadas trajando vestidos com modelagem império, ou seja, cintura marcada abaixo dos seios, uma espécie de camisolão preso abaixo do busto, que imitavam os drapejados das esculturas gregas, muitas vezes rebordados com fios de metais nobres. Esses trajes eram complementados com uso de xales, turbantes, leques, luvas, chapéus. Já aos homens, as inspirações vieram do traje militar, usavam calças justas e casacas ao gosto napoleônico.

A Vida Social

A vida social da brasileira branca no início do século XIX praticamente inexistia. A maior parte do tempo, ela ficava em casa, restrita aos afazeres domésticos e ao contato com a família e eventuais escravos. Numa sociedade em que não havia imprensa, ou seja, em que as noticias não circulavam com facilidade e em que o comercio era incipiente, não havia oferta nem demanda de vida social e muito menos de moda.

De acordo com historiadores e com relatos de viajantes, as mulheres praticamente só saíam de casa para ir à missa e, muito raramente, para alguma visita. Paradoxalmente, as escravas tinham mais liberdade nesse sentido. As que trabalhavam como domesticas saíam às ruas rotineiramente para fazer compras. Algumas trabalhavam nas ruas, vendendo quitutes e outras mercadorias.

De certa forma, elas faziam a ponte entre dois mundos, uma forma de comunicação. Existia para elas essa socialização, essa troca de experiências e de conversa. Era um espaço de convivência ao qual a mulher branca não tinha acesso.

O que marca a vida da mulher do período colonial é a reclusão. Não havia sociabilidade nas ruas, as mulheres brancas não circulavam. Essa vida tão restrita, sem oportunidades de exibição, também gerava certo descuido com os padrões das vestimentas.

Ainda que não de forma repentina ou radical, a chegada da corte alterou essa realidade. Primeiro a partir das próprias medidas políticas tomadas, como a abertura dos portos – que permitiu o comercio até então bastante restrito de mercadorias mais luxuosas e a autorização para a criação da imprensa nacional, o que fez com que as informações comecem a circular com mais agilidade.

Mas não foi só isso. A corte, com seus hábitos europeus, passaria a demandar produtos e espaços de diversão, criando um mercado antes inexistente, sobretudo no que diz respeito às mulheres. O choque cultural foi mútuo, segundo alguns pesquisadores.

O choque é grande também em relação aos costumes e às maneiras. Comiam-se com as mãos, não se usava talheres, não havia requinte algum na apresentação ou consumo das coisas. A presença da corte imporia também um modelo de civilidade e sofisticação a ser seguido por quem almejasse participar de tão seleto grupo.

Galeria de Imagens

Esta gravura, que é particularmente significativa, reflete e expressa a emoção de todos aqueles que viveram esse momento histórico. A começar pelo príncipe Dom João, cuja posição de mão, cujo semblante na gravura revela simultaneamente tristeza pela partida, mas a convicção de que se tratava de uma decisão absolutamente fundamental.

D. João e Carlota Joaquina

O quadro representa, no centro, a nau Príncipe Real, onde tinham viajado a Rainha D. Maria I, o Príncipe Regente e os seus dois filhos, os infantes D. Pedro e D. Miguel, e o infante espanhol, D. Pedro Carlos de Bourbon, no momento em que acaba de fundear, usando a sua caranguejola, vendo-se o estandarte real a flutuar no mastro principal. Os pequenos botes ao redor da nau transportam personagens que não quiseram deixar de cumprimentar imediatamente a família real, já que o desembarque só se realizou no dia seguinte.

Do lado esquerdo está a nau britânica Marlborough, que se encontrava na baía, a disparar uma salva, com a guarnição colocada nas vergas.

Do lado direito pode ver-se a nau Afonso de Albuquerque, que tinha transportado a princesa Carlota Joaquina e quatro das suas seis filhas, a começar a ferrar as velas preparando-se para entrar no vento e fundear. Atrás está a Medusa, que tinha transportado o ainda secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, António de Araújo de Azevedo, futuro conde da Barca, e a fragata Urânia, que escoltou o Príncipe Regente durante toda a viagem. Ao lado destas, a nau britânica Bedford, que tinha acompanhado a frota portuguesa desde as Canárias.

Mais à direita, na linha de costa o fumo branco representa a salva do forte de Villegaignon, que já não existe, vendo-se também - da esquerda para a direita - a costa de Niterói, a entrada da baía do Rio de Janeiro e o Pão de Açucar.






Abaixo, imagem do livro Sketchs of Portuguese Life. Manners and Costume and Character, publicado em Londres em 1826. A ilustração é de um inglês que acompanhou a corte portuguesa ao Brasil, e assinou o volume com as iniciais de A.P.D.G. A imagem mostra a prática do beija-mão real, no Palácio de São Cristóvão.